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Exposição virtual ‘Inéditas’ reúne registros encontrados na casa do fotógrafo um mês depois de sua morte

Em outubro do ano passado, cerca de um mês depois da morte de Flávio Damm (1928-2020), o fotógrafo e antropólogo Milton Guran, coordenador do festival FotoRio, sugeriu a Cândido Damm, filho do gaúcho, que fosse à casa do pai checar se haveria alguma foto guardada ali que ainda não tivesse sido mostrada a ninguém. Havia: para surpresa dos dois, Flávio, aos 92 anos, deixou em cima da mesa da sala de seu apartamento uma caixa com 25 fotografias. Feitos a partir de 2001, os registros estavam devidamente organizados pelo autor, com legendas que descreviam a data e o local de cada imagem. Esse conjunto de fotografias compõe a exposição “Inéditas”, um dos destaques do FotoRio, que começa hoje em edição on-line e gratuita no site fotorio.fot.br.

— Antes de ir para o hospital, o Flávio deixou na mesa da sala uma exposição pronta. As fotos estavam magnificamente e corretamente identificadas. Nos últimos anos de sua vida, ele se dedicou a recolher imagens saborosas do mundo visível, principalmente pelo Brasil e pela Europa — diz Guran.

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Entre os itens da mostra, o público poderá ver cenas do cotidiano de cidades como Lisboa, Praga, Niterói, Congonhas, Ouro Preto, Paraty, Paris e Rio de Janeiro. Da doçura de casais num banco de praça à sisudez de construções portuguesas seculares, o conjunto de imagens revela um Flávio Damm viajante e atento aos detalhes.

—Existe um gênero fotográfico que os americanos chamam de street photography, que é a fotografia de rua. Os franceses falam da figura do flâneur, o cara que sai andando por aí. O Henry Cartier-Bresson (1908-2004), fotógrafo francês, fala da imagem roubada, apreendida no instante. Quando se aposentou, Flávio passou a se dedicar à fotografia de rua. Saía por aí e e colhia saborosas situações, como um jornalista que para de fazer cobertura de evento e sai por aí fazendo o que dá na telha. Ele viajou muito, sempre praticando esse tipo de fotografia, a do flâneur — comenta Milton Guran.

O pesquisador e fotógrafo Pedro Vasquez, que cuidou da apresentação da mostra, reforça que as fotos representam bem o estilo de Flávio Damm.

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—São imagens típicas do trabalho dele, que tem essa orientação de Cartier-Bresson, um fotógrafo de rua que vê coisas que as pessoas isoladas não percebem. São revelações em cima do banal, do cotidiano. Não eventos fora do normal, são coisas da vida de todos os dias. Isso demonstra uma sensibilidade muito especial dele — diz Vasquez.

Nascido Porto Alegre, Flávio Damm fundou, em 1962, com José Medeiros (1921-1990), a agência fotográfica Image, uma das primeiras do Brasil. Ele despontou no fotojornalismo por ocasião da lendária matéria publicada na Revista do Globo em 1948, com texto assinado pelo repórter Rubens Vidal, em que conseguiu imagens exclusivas do então ex-presidente Getúlio Vargas, que descansava da vida política em sua fazenda em São Borja, a 600km da capital gaúcha, após ser deposto em 1945.

Agente da história

Pedro Vasquez, que em 1991 foi curador da mostra “Flávio Damm, 45 anos de fotografia”, no Centro Cultural Banco do Brasil, diz que a reportagem sobre Vargas, intitulada “A longa viagem de volta”, contribuiu para o retorno do ex-presidente ao comando do país.

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— Naquela época, Getúlio eventualmente falava com alguém, mas nunca havia permitido ser fotografado. A matéria mostrava o dia a dia de Getúlio, ele andando a cavalo, tomando chimarrão, fumando charuto, ou seja, um lado mais humano. Isso reativou o movimento queremista, que queria sua volta — diz Vasquez. — Tem uma expressão, que vem desde a Guerra de Secessão americana, que caracteriza a atividade de fotógrafo como testemunha ocular da História. Nesse caso, o Damm foi além, porque foi agente da História. Depois dessa matéria, ele foi contratado pela revista O Cruzeiro, no Rio, onde ficou por 15 anos e se tornou um dos mais importantes fotógrafos daquela geração.